Por que adoecemos?

Adoecemos por vários motivos. Pode ser por doenças físicas, vírus, bactérias ou outras disfunções, mas também adoecemos por razões psicosocioculturais.

É crescente o número de pessoas que sofrem de depressão ou outros distúrbios. Crianças são medicadas com remédios psiquiátricos desde cedo. Está em voga o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDHA). Escuto adultos me dizerem que possuem o TDHA pois, apresentam dificuldade de concentração.

Como venho mencionando, cada caso é um caso e precisa ser muito bem avaliado por profissionais competentes para se concluir um diagnóstico. Se há necessidade de medicação para tratar, é importante o acompanhamento médico e psicológico.

Porém, quero propor uma outra reflexão. Vamos analisar o momento sócio, cultural e histórico que vivemos. Muitos valores sociais, familiares, profissionais e individuais estão mudando e é bom que haja mudanças, senão o novo não surge. O problema é quando se perde valores fundamentais que sustentam a base da felicidade, da construção de uma civilização mais evoluída, ética, no sentido de integração, respeito, solidariedade e amor, de e entre todos os seres (aqui acrescento os animais e natureza).

Economicamente o capitalismo trouxe muitas conquistas financeiras, pessoais e profissionais. Não vou discorrer sobre benefícios, malefícios ou outras ideologias. O foco é pensarmos sobre como estamos conduzindo nossas vidas. Quais são nossos objetivos e valores. O que estamos priorizando em detrimento de outras escolhas. Se essas escolhas são realmente nossas ou vem de padrões sociais e culturais pré-estabelecidos.

Uma sociedade que valoriza o ter frente ao Ser, que estimula o prazer pessoal acima de tudo, que induz a um consumismo desenfreado e por consequência trabalhar sem limites, deixando filhos e família em segundo plano para se alcançar um sucesso financeiro e destaque na posição social, passando por cima de princípios éticos, por exemplo, só pode produzir doenças.

Somos induzidos a funcionar como o símbolo BE HAPPY. Caso não dê, tome prozac, rivotril ou outras drogas que estimulam a felicidade. Pessoas tristes são vistas como fracassadas ou até contagiosas. Inúmeros vídeos no youtube advertem: afastem-se de pessoas que vibram negativamente. Mas, o que isso de fato significa?

Estar triste não quer dizer deprimido. A depressão é uma doença que pode ser também compreendida como um  sintoma de desarmonia emocional ou ambiental. Os acontecimentos da vida nos afetam. Nós, seres humanos, é que classificamos como bom ou ruim. Eles simplesmente são fatos. Como reagimos à eles e o que sentimos frente à eles é o que nos leva a classificação. Se me fez sentir mal, então só pode ser ruim.

Não somos educados a aprender a lidar com os sentimentos. Temos que engolir a raiva ou sufocar a tristeza. Um bom profissional é resiliente (frase do momento). Essa confusão de valores, termos, significados faz com que as pessoas busquem corresponder de uma maneira insustentável à uma suposta felicidade e sucesso esperado socialmente. Tudo isso leva ao adoecimento. Meninas que tornam-se anoréxicas para parecer com as modelos de revistas. Garotos ou homens que usam anabolizantes de maneira perigosa para ter o corpo desejado por outros.

separacaoSe não damos vazão às emoções nosso corpo receberá a descarga energética/emocional de tudo o que guardamos internamente. Existem formas e formas de dar vazão. Permitir sentir raiva não quer dizer atuar a raiva. Sentir tristeza não vai levar o indivíduo a desenvolver depressão. Alguns sentimentos assustam exatamente porque não sabemos como acolhê-los. Essa experiência vem da educação, da troca com um outro que consegue acolher sem julgar, o que leva a uma experiência de calma, de esperança no futuro na vida e nas relações.

Sem valores, referenciais familiares e individuais, busca-se o que há disponível na sociedade: corpo perfeito (imagem); ter bens materiais pois isto, mesmo que efêmero, traz uma certa satisfação, muitas vezes confundida com felicidade; algum diagnóstico médico; remédios, afinal é muito angustiante não sabermos o que temos, o que ocorre conosco no funcionamento interno. Mas, muito do que temos vem do que sentimos. Por isso, é importante compreendermos o que sentimos.

Recentemente um colega meu de trabalho, extremamente calmo, doce e tranquilo separou-se da esposa. Ele me contou como se fosse um fato qualquer. Disse estar bem, que pelo menos seria uma separação amigável e que seus filhos não sofreriam com os pais brigando. Disse que já tinha se matriculado na academia, que iria rever seus amigos, algo que não fazia mais. Havia 10 dias que sua esposa comunicou que não o amava mais. Não conversaram sobre isso e nem sobre nada. Estavam casados há quase 15 anos. Ela comunicou, ele aceitou. Isso ocorreu há pouco mais de 15 dias. Há 2 dias atrás ele sofreu um acidente de carro por estar embriagado e está internado em estado grave.

Outro caso. Uma amiga perdeu o pai. Ele adoeceu e faleceu rapidamente em casa. Não fizeram funeral. Um dos filhos foi à cremação pela necessidade de assinar a documentação. Um meio irmão que morava em outro país ao saber da notícia por telefone chorou e ouviu desta amiga minha que não adiantava chorar, pois ele já havia partido. Meses depois um outro irmão sofreu acidente de carro lesionando o cérebro. A família não fez o luto do pai. Não puderam ficar tristes por uma crença que tinham que vida após a morte não acaba e por isso não poderiam sofrer.

Vários fatores levam ao adoecimento. A falta de comunicação entre as pessoas, a pouca ou nenhuma compreensão dos sentimentos de si próprio e consequentemente do outro (no caso das crianças isso vem crescendo de forma alarmante –pais que não compreendem seus filhos emocionalmente e agem de maneira contrária ao que a criança necessita acabam por contribuir ao adoecimento destas), a crença de que devemos reagir super bem, como se nada tivesse acontecido frente à situações difíceis, valores voltados para o supérfulo. Este último diria ser bastante nocivo. Cada vez mais presenciamos nos noticiários e na nossa frente atos de violência por medo, ignorância (falta de conhecimento). Sem base ética, emocional, filosófica e educacional, o caos emerge de maneira ameaçadora. Sem saber o que fazer o ser humano ou adoece ou enlouquece.

 

Cristina Ciola Fonseca

Psicóloga, psicanalista, graduada na PUC-SP, com especialização na UNIFESP

Consultório particular (11) 5052 9286 / 99850 9074

crisciola@hotmail.com

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